O peso das ideias feitas

É com algum desalento que vou observando o comportamento aparentemente insólito das pessoas. E digo “aparentemente insólito” porque já me habituei à ideia de que há sempre alguma coisa que subjaze – ignorada, incompreendida -, a cada um desses comportamentos insólitos. Exemplos? Basta-me de momento o comportamento dos eleitores da Islândia que acabam de reabilitar a direita responsável pelo descalabro bancário que lançou o país na desgraça… Depois do levantamento contra essa direita, da sua estigmatização pública, do julgamento a que a submeteram, tudo me parece um jogo de crianças. Estarei enganado? Claro que estou, só posso estar. Mas continuarei a esforçar-me por entender.

Uma coisa tenho por adquirida: parece existir nas pessoas uma certa aversão à racionalidade. Admiram-na mas aparentam temê-la. Suspeito que a razão profunda deste fenómeno talvez esteja no receio de ficar sozinhos mergulhados nas próprias ideias.

Mas, ainda assim, parece que é mesmo sozinhos, com as ideias – embora ideias feitas, não ideias próprias – que nos comportamos. A maioria de nós nem dá por isso mas na realidade antes de apreender alguma ideia já está contaminado por ela. Poucos são os que conseguem observar alguma coisa, alguma ideia, livremente, com a frescura de quem olha para pela primeira vez.

O velho ditado oriental que diz “quando o discípulo está pronto o mestre aparece”, talvez encontre neste fenómeno a sua razão de ser.

Daniel D. Dias

Ovo de cuco

A ação desta comissão liquidatária a que chamam governo, mostra, com a sua prática, que não é apenas um governo cego por uma ideologia, um governo de direita neoliberal revanchista, ou somente um governo de incompetentes. Desenganem-se os que assim pensam – ou pensaram – os que embarcaram no “é tudo igual”, é tudo “farinha do mesmo saco”. Este governo tem atitudes que ultrapassam a governação salazarista, que só não são piores, porque os tempos e o quadro institucional são outros.

Este governo pode ser tudo isso mas é sobretudo um governo ao serviço dos interesses de outros países e/ou corporações. O desajustamento deste governo com o país, nada tem a ver com a crise ou com falta de jeito para lidar com as dificuldades. É preciso perceber que este governo faria sempre o mesmo, com ou sem dificuldades. A crise, para este governo, é de facto uma oportunidade, um álibi para levar a efeito o seu trabalho de sapa.

Este governo não tem a mais leve noção de pátria, mas não é por ser “muito avançado”, ou “internacionalista”. Não é também por ser apologista do federalismo na União Europeia. Nem sequer é por ser de direita (dos interesses), ou neoliberal, o que – e não é por acaso – também é. Não. Este governo está ao serviço de interesses estranhos. É no essencial um ovo de cuco, que foi introduzido neste ninho português e que, para crescer, precisa de desalojar os seus legítimos donos. E nada o fará demover enquanto não cumprir a sua missão.

A menos que os donos do ninho esqueçam as suas querelas, as suas pequenas divergências, as suas embirrações reciprocas e tenham um arroubo patriótico…

Daniel D. Dias

Uma alternativa viável

Desde há algum tempo que deixei de postar textos ou ideias sobre cooperação, especialmente no grupo criado para o efeito, o “Mutual Base”. A razão, como diria o poeta, é a de que “outros valores mais altos se alevantam”. Na verdade a tensão política e social tem crescido tanto nos últimos meses que creio pouca gente estar disponível para prestar atenção à problemática – no meu entender cada vez mais crucial e pertinente – da cooperação, da economia solidária, do empreendedorismo de base mutual.

Os problemas da sociedade atual – podemos generalizar e falar a nível global – já não são de natureza técnica, cultural ou material. São agora quase exclusivamente de natureza ética e subjazem na prática duma economia política do século XIX, obsoleta, que se arrasta – e arrasa – penosamente pelo mundo. Hoje a saída (efetiva) desta crise – de qualquer crise – passa pela substituição progressiva e determinada da lógica do lucro, axial nesta economia, por outras lógicas de valoração da atividade económica, mais cívicas e humanistas.

Esta ideia pode ainda parecer utópica e irrealista a muita gente mas de facto não é. Há inúmeros exemplos no mundo que o comprovam. Países resolveram problemas essenciais do seu desenvolvimento na base da cooperação, e a grande massa da população atual, está, objetiva e subjetivamente, desejosa duma mudança de paradigma. Mesmo os que vivem e beneficiam com o critério do lucro – os adeptos da competição premiada com dinheiro – mostram-se saturados com esse modelo, cada vez mais disfuncional.

É, claro, esta mudança de paradigma implica a criação dum clima político favorável e uma atitude dos cidadãos mais comprometida. É algo que não se constrói de um dia para o outro e que implica muitos compromissos, imaginação e criatividade. Necessita duma efetiva participação democrática. Necessita também duma nova cultura e novos hábitos.

É, pois, por tudo isto, uma luta política a ser travada, que tem a particularidade de poder ser desencadeada em paralelo com outras lutas políticas que decorrem. Os tempos são de mudança (a palavra “crise” etimologicamente tem esse significado) e apontam nessa direção.

Nestes tempos de incerteza, em que parece terem-se esgotado as habituais soluções políticas, a minha sugestão vai no sentido de encorajar as pessoas “de boa vontade” a unirem-se em associações, movimentos ou ligas, que se batam pela cooperação e mutualismo na atual “arena” política. Os que estão saturados da “partidocracia”, os que não vislumbram saídas no atual quadro democrático, deveriam refletir nesta ideia, que, sendo uma alternativa viável, tem a vantagem de não ser “mais um partido” e pode mesmo fazer confluir opiniões e vontades de muitos quadrantes.

Aos que quiserem aprofundar esta ideia proponho que o façam no grupo (do Facebook) Mutual Base. Fica o convite.

Daniel D. Dias

A marca do “consiglieri”

O que fica por dizer, o discurso implícito, é com frequência mais importante do que aquilo que se diz. Penso que é o caso da patética e pouco ortodoxa despedida de Relvas.

Relvas era um homem amargurado. A alcateia que logrou construir com os restos do bando de lobos desavindos, ocupado nos seus covis de luxo a digerir os saques acumulados por anos de incursões neste redil português, ousou sacrificá-lo. O improvável macho alfa que promoveu, afinal não lhe agradeceu o esforço e deixou-o cair por uma “pentelhice” académica sem qualquer valia.

Acho que o “efeito Sócrates” – a derradeira obra de Relvas, a prova irrefutável do seu talento político – pode agora ser melhor compreendida. Relvas, na despedida, quis deixar um presente envenenado à sua alcateia e uma marca da sua eficácia. Aceitou o sacrifício, com estoicismo, mas não deixou que os seus créditos de “consiglieri” morressem com a sua licenciatura.

É assim que funciona a “honra dos padrinhos”: a lealdade ou a traição é aplicada segundo as conveniências e aplica-se, se tal for necessário, ao próprio bando. Quem pode confiar neste bando para dirigir este nosso desnorteado redil?

Daniel D. Dias

O “efeito Sócrates”

A ideia simplória de que personalidades como Relvas são desprovidas de inteligência e de argúcia política, não passa disso mesmo. Para o comprovar temos a “reintrodução” de Sócrates na cena política nacional pela mão desse cavalheiro.

Não fosse tratar-se dum ato desesperado da (des)governação desta comissão liquidatária e a contratação de Sócrates como comentador na televisão pública, ainda por cima em horário nobre e “pro bono”, passaria para a história, sem favor, como um golpe de génio ao nível do melhor Maquiável. Acho que passa despercebido a muita gente este “efeito Sócrates”, congeminado na mente dum Relvas, finalmente, merecedor inquestionável dum mestrado, se não mesmo dum doutoramento, em ciência política.

Com este genial golpe, duma penada, a (des)governação desta maioria

– calou a boca aos que a acusam de temer a oposição e de ter tiques ditatoriais
– branqueou a administração salazarenta que impôs na comunicação pública
– introduziu uma divergência (insanável) na única força da oposição com condições para lhe suceder no atual quadro institucional
– antecipou um álibi para os mais que prováveis desaires políticos e abriu as válvulas de segurança aos irredutíveis opositores de Cavaco
– criou na comunicação social uma lebre para todos os mastins da direita se entreterem a perseguir, a fim de espevitarem e seus duvidosos “skills”, refinarem as suas “narrativas”, e para que, ao abocanharem-na, neutralizem os eventuais estragos da sua corrida de 20 minutos semanais
– fez renascer uma “indignação” de que a direita há muito estava carenciada, “indignação” capaz de absorver ou até de obter a concordância (envergonhada) duma certa esquerda que nunca perdoou a Sócrates os seus atrevimentos reformadores (afinal estava tudo tão bem como estava, não é verdade?)
– aligeirou a pressão sobre Coelho e sobre outras personagens do atual quadro político. A notória diferença de estaleca, transforma Sócrates num bombo destacado e reduz, “ipso facto”, a envergadura dos restantes bombos. O grande público tem agora mais um em quem malhar mas os bombos da maioria ficam a ganhar.
– contribui para a transformação de Sócrates num mito que é a forma mais eficaz de neutralizar o seu potencial político

Então? Isto não é obra? E se alguma coisa correr mal, o risco é inteiramente assumido por Relvas, que secretamente já foi reabilitado pela direita “nobre” – a dos “canudos” – que, se for caso disso, não hesitará em deitar-lhe a mão…

Daniel D. Dias

Desabafo

Constrange-me perceber que uma grande parte das pessoas continue a entender a política como uma espécie de atividade clubista em que jogadores e treinadores são quem decide a sorte do jogo e os únicos responsáveis pelos resultados.

Percebo que algumas pessoas tenham interesses nos clubes: Talvez colaborem num dos seus departamentos, talvez façam parte duma qualquer claque, talvez tenho sido antigos atletas. Mas esses são seguramente uma ínfima minoria e provavelmente não se terão apercebido ainda que um dia chegará em que também o seu clube descerá de divisão.

Mas… e a grande maioria? Ainda não percebeu nada?

Enquanto durar esta “peste emocional” – esta cultura da depressão – pouco mais posso fazer do que observar e esperar…

Vou ficando por aí.

Daniel D. Dias